Produtores de cacau do Xingu mostram como inovar sem perder a tradição e a qualidade
13/07/2025 18:39:55
Por redação com InfoMoney
Enquanto grandes corporações do chocolate enfrentam crises de abastecimento e pressões por sustentabilidade, uma revolução silenciosa acontece nas propriedades familiares do Xingu, no Pará.
Produtores como José Renato e Verônica, da Kakao Blumenn, e Robson Brogni, da Ascurra Chocolate, estão demonstrando que é possível conciliar tradição, inovação e responsabilidade ambiental em um modelo que pode inspirar toda a indústria global.
A região do Xingu, que concentra 75,86% da produção de cacau do Pará e responde por mais da metade da produção nacional, tornou-se um laboratório vivo de práticas sustentáveis. Com mais de 60% dos produtores utilizando sistemas agroflorestais, a região alcançou uma produtividade média de 946 kg por hectare em 2024, quase quatro vezes superior à da Bahia.
O modelo “tree to bar”
O sistema “tree to bar” (da árvore à barra), adotado por muitos produtores da região, garante controle total sobre o processo produtivo, desde o cultivo até o produto final. Marcas como Chocolate Cacau Xingu, que se orgulha de ser o primeiro chocolate artesanal produzido com cacau orgânico da Transamazônica e do Xingu, representam uma nova geração de produtos que combinam qualidade superior com práticas sustentáveis.
“Ter controle sobre todo o processo nos permite adaptar rapidamente às mudanças e manter a qualidade que nos diferencia no mercado”, explica José Renato, da Kakao Blumenn. “A gente entendeu desde o começo que, se a amêndoa é a matéria-prima de um dos produtos mais comestíveis do planeta, ela tem que ser tratada com respeito. Não podia ser fermentada de qualquer jeito, nem secada no terreiro com bicho passando no meio. Decidimos fazer diferente.”
A família responsável pela Kakao Blumenn produz a terceira melhor amêndoa do país, disputada por fabricantes internacionais de chocolate. A colheita é seletiva: apenas frutos maduros e sadios são retirados, o que contribui para a qualidade e para a preservação ambiental.
Sistemas agroflorestais
O sistema agroflorestal adotado por mais de 60% dos produtores do Xingu não apenas ajuda a manter a umidade do solo e proteger as plantas do calor excessivo, mas também oferece fontes alternativas de renda por meio de outras culturas e produtos florestais. É uma estratégia que combina sabedoria tradicional com conhecimento científico moderno, buscando criar sistemas produtivos mais resilientes.
“Eu comecei na pecuária, como quase todo mundo aqui”, relembra José Renato. “Mas percebi que era arriscado ficar só numa cultura. O cacau me chamou atenção como uma alternativa sustentável, e desde a primeira safra eu já me preocupei com a fermentação, a secagem, a forma de colher. A diferença está no detalhe.”
Essa convergência entre conhecimento tradicional e ciência moderna está criando soluções inovadoras que podem ter impacto muito além do Xingu.
Técnicas de manejo desenvolvidas na região estão sendo estudadas e adaptadas para outras áreas produtoras, tanto no Brasil quanto em outros países.
Certificações e qualidade
A abordagem integrada dos produtores do Xingu está sendo reconhecida nacionalmente. Em 2024, produtores da região receberam o Selo Nacional da Agricultura Familiar, certificação que garante que os produtos atendem aos padrões de qualidade e sustentabilidade exigidos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
O reconhecimento da qualidade também vem por meio de premiações. A Ascurra Chocolate conquistou múltiplos prêmios em 2025, incluindo o primeiro lugar nas categorias Inovação e Ao Leite, demonstrando que a agricultura familiar pode competir em qualidade com qualquer produtor mundial.
Mais de 220 expositores participam anualmente do Chocolat Xingu, festival que celebra a diversidade e qualidade da produção local. Marcas como Ascurra, de Medicilândia, e Kakao Blumenn, de Brasil Novo, representam uma nova geração de produtores que combinam tradição familiar com inovação tecnológica.
Transformação do mercado
A transformação em curso no Xingu também está redefinindo a relação entre produtores e consumidores. Marcas da região estão investindo em storytelling que conecta a qualidade do produto às práticas sustentáveis e à resistência climática. Consumidores cada vez mais conscientes estão dispostos a pagar mais por produtos que representam não apenas qualidade superior, mas também responsabilidade ambiental e social.
Essa mudança no mercado está criando incentivos econômicos para práticas sustentáveis. Produtores que investem em sistemas resilientes estão encontrando mercados dispostos a valorizar esses diferenciais. O chocolate artesanal do Xingu, com sua história de adaptação e resistência, está se tornando um símbolo de como é possível conciliar produção de qualidade com responsabilidade ambiental.
Inovação tecnológica
A inovação no Xingu não se limita a tecnologias sofisticadas, mas foca em soluções práticas e sustentáveis.
Produtores estão experimentando com variedades de cacau mais resistentes ao calor e à seca, implementando sistemas de irrigação eficientes e explorando técnicas agroflorestais que ajudam a manter a umidade do solo. Essas inovações são desenvolvidas com base em conhecimento local e necessidades específicas, resultando em soluções mais eficazes e sustentáveis.
Para os produtores de cacau do Xingu, a preservação da floresta não é apenas uma questão ambiental, mas uma necessidade econômica direta. A região ainda mantém grande parte de sua cobertura florestal, o que ajuda a regular o microclima e manter a umidade necessária para a produção de cacau de qualidade.
Essa compreensão da interdependência entre conservação e produção oferece uma lição importante para grandes corporações que frequentemente tratam sustentabilidade como um custo adicional, quando, na verdade, pode ser uma vantagem competitiva fundamental.
Conhecimento tradicional
O conhecimento acumulado por gerações de produtores amazônicos está se revelando fundamental para enfrentar desafios climáticos que são globais. Técnicas tradicionais de conservação do solo, manejo da água e seleção de variedades resistentes estão sendo redescobertas e adaptadas para as condições atuais.
A experiência do Xingu demonstra que a agricultura familiar não é apenas uma forma de produção, mas um modelo de desenvolvimento que pode inspirar transformações em toda a cadeia global do chocolate. A capacidade de conciliar tradição e inovação, qualidade e sustentabilidade oferece um caminho para uma indústria mais resiliente e responsável.
O Festival Chocolat Xingu, que em 2024 reuniu mais de 15 mil pessoas, tem se tornado uma vitrine dessa transformação. Além de celebrar a diversidade e qualidade da produção local, o evento tem servido como espaço de troca de conhecimentos que podem inspirar transformações em toda a indústria.
Publicidade

Mais notícias

CCJ do Senado aprova fim da reeleição para presidente, prefeitos e governadores

Inflação de alimentos: Lula erra e posta imposto zerado para ovos

Oruam é preso em flagrante no Rio de Janeiro

Pesquisa do Instituto Futuro mostra Boulos fora do 2º turno na corrida eleitoral em SP
