Ex-faxineira de escola pública realiza sonho de cursar Pedagogia aos 70 anos e próxima meta é dar aulas; 'Não penso em desistir'

Ex-faxineira de escola pública realiza sonho de cursar Pedagogia aos 70 anos e próxima meta é dar aulas; 'Não penso em desistir'
Foto: reprodução

Por redação com O Globo


Desistir é uma palavra que nunca fez parte do vocabulário de Elenice Pereira. Nascida numa família pobre, mas que sempre valorizou os estudos, a moradora de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, teve uma trajetória marcada por desafios e superações. Após vencer vários obstáculos impostos pela vida, que a afastou diversas vezes dos bancos escolares, somente no começo de 2025, aos 70 anos, conseguiu realizar o antigo sonho de entrar para a faculdade.


Indo para o segundo semestre dos estudos, só na quarta-feira passada Elenice recebeu o certificado de caloura de Pedagogia — documento que ela exibe com orgulho em fotografias ao lado de professores e jovens colegas de curso. Mas a nova universitária ainda não se deu por satisfeita.


Como perdeu o prazo para apresentar a documentação no Sisu (sistema que garante acesso às vagas públicas), só conseguiu se matricular numa faculdade particular. Por isso, pretende fazer novamente o Enem no fim do ano para tentar estudar em uma instituição pública.


Para não correr o risco de perder a vaga na Estácio, onde se matriculou, a aluna conta que retirou algumas economias da poupança. Com esse dinheiro, garantiu o pagamento das primeiras mensalidades.


"Daqui para a frente não sei como vou fazer, mas não penso em desistir", disse a mulher, que recebe o equivalente a um salário mínimo como aposentada.


Filha de agricultores e única mulher entre nove irmãos, Elenice nasceu em Bom Jesus do Itabapoana. Na infância trabalhou na roça, e aos 16 anos saiu de casa para ajudar no sustento da família, sendo obrigada a interromper os estudos.


A retomada aos estudos só aconteceu aos 25 anos, já em Campos dos Goytacazes, quando, incentivada por uma patroa para quem trabalhava como faxineira e babá, se matriculou no antigo Mobral — programa de alfabetização de adultos que funcionou do fim dos anos 1960 a meados dos 1980.


"Eu tinha só a 3ª série, e ela me matriculou no (colégio) XV de Novembro, no Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Concluí a 8ª série e depois fui para o (colégio) Nilo Peçanha, e mais tarde para o Liceu (escola tradicional de Campos). Fiz formação de professora e à tarde estagiava com as crianças de CA", contou.


Apesar do incentivo, Elenice foi vencida mais uma vez pelas circunstâncias. Ao engravidar, precisou abandonar os estudos de novo. O trabalho para ajudar o marido na criação dos filhos se tornou a prioridade. E, dessa vez, a educação dos filhos veio primeiro.


"Fazer faculdade era um sonho antigo, mas primeiro realizei o do meu filho", diz, referindo-se a Marcel, de 40 anos, formado em Engenharia de Produção.


Em 2006, após novo retorno, Elenice conseguiu concluir o ensino médio. Aí veio um novo baque que a fez parar novamente. A filha, Franciane, que nasceu com câncer de medula, morreu aos 27 anos, levando a mãe à depressão. O que a salvou foram os estudos. Aconselhada pelo filho, retornou aos bancos escolares dois anos após a morte da jovem.


"Um dia ele chegou em casa, e eu tinha tomado um monte de remédio para dormir. Ele falou para eu ir conhecer o curso (no Instituto Federal Fluminense). Isso em 2015. Fiz a minha inscrição, fui para as aulas, aos poucos a depressão foi passando e diminuí os remédios controlados. Chegava em casa feliz", revelou.


Sonho de virar professora


Em 2006, após novo retorno aos estudos, Elenice conseguiu concluir o ensino médio. Aí veio um novo baque que a fez parar novamente. A filha, Franciane, que nasceu com câncer de medula, morreu aos 27 anos, levando a mãe à depressão. O que a salvou foram os estudos. Aconselhada pelo filho, retornou aos bancos escolares dois anos após a morte da jovem:


"Um dia ele chegou em casa, e eu tinha tomado um monte de remédio para dormir. Ele falou para eu ir conhecer o curso (no Instituto Federal Fluminense). Fiz a minha inscrição, fui para as aulas, aos poucos a depressão foi passando e diminuí os remédios controlados. Chegava em casa feliz."


O recomeço não foi fácil. Ela teve de repetir o ensino médio, pois havia esquecido muito do que aprendera, e emendou com o preparatório para o Enem no IFF, que finalmente levou à aprovação.


"Ao longo dos anos foram várias paradas (nos estudos), mas não me arrependo. Todas foram necessárias, "diz a aluna, que revela outro sonho: "Pretendo dar aulas. Mesmo que não consiga fazer um concurso, quero ajudar crianças carentes de uma comunidade perto de onde moro ou, quem sabe, alfabetizar os adultos", completa Dona Elenice, que trabalhou 38 anos como faxineira em uma escola pública.


Para o professor Edmar Santos do Rosário, do Curso Preparatório Popular Goitacá, do Instituto Federal Fluminense, onde Dona Elenice estudou, a dedicação e a força de vontade da aluna — que não faltava a uma aula e se sentava na primeira fila — inspiravam colegas e professores:


"Mesmo em uma turma composta, em sua maioria, por jovens, sua presença era uma verdadeira lição de vida. Ela nos motivava diariamente e, muitas vezes, com carinho, dava um 'puxãozinho de orelha' nos mais novos para que valorizassem a oportunidade que a vida lhes estava oferecendo."