Brasil reforça pedido de extradição de Zambelli, capturada na Itália após dois meses foragida

Brasil reforça pedido de extradição de Zambelli, capturada na Itália após dois meses foragida
Foto: reprodução

Por redação com O Globo


Dois meses após deixar o Brasil para não iniciar o cumprimento da pena de dez anos de prisão determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a deputada Carla Zambelli (PL-SP) foi presa ontem em Roma, na Itália. A parlamentar era considerada foragida e teve o nome incluído na lista vermelha da Interpol, o que a tornou procurada em 196 países. Segundo integrantes da Polícia Federal, as autoridades italianas têm agora até 48 horas para decidir o destino de Zambelli: se ela será extraditada, como requisitou formalmente o governo brasileiro, libertada ou enviada para a prisão domiciliar. A decisão será tomada em uma audiência, mas os trâmites em caso de extradição, por exemplo, podem ser demorados.


Zambelli, segundo a Justiça, cometeu os crimes de falsidade ideológica e invasão de dispositivo informático ao, junto com o hacker Walter Delgatti, preso em Tremembé (SP), invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para inserir informações falsas, como um mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes.


Ao decretar a prisão da deputada, em junho, Moraes afirmou que houve uma “inequívoca” intenção “de se furtar à aplicação da lei penal”. A decisão estabelece ainda a perda de mandato de Zambelli, o que passará por análise da Câmara, como reforçou ontem o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). Ao ser capturada na Itália, a bolsonarista se tornou o 12º parlamentar da Câmara dos Deputados a ser preso nos últimos 12 anos.


Choque de versões


Ontem, Zambelli foi detida enquanto estava em um apartamento em um área residencial da capital italiana. Segundo sites que oferecem aluguel no local, os apartamentos no prédio contam com jacuzzi, estacionamento e quadra de tênis. O local fica a cerca de cinco quilômetros da Praça São Pedro, no Vaticano.


Em nota, a PF informou que a detenção foi resultado de “cooperação policial internacional entre a Polícia Federal, a Interpol e agências da Itália”.

Interlocutores da corporação disseram que ela estava acompanhada do pai, tranquila e que não resistiu. De acordo com a colunista Bela Megale, do portal O GLOBO, as movimentações do pai por Roma ajudaram a localizá-la. Já segundo o colunista Bernardo Mello Franco, a Embaixada do Brasil na Itália recebeu uma informação sobre o paradeiro da deputada e a repassou à polícia italiana. Já a defesa afirma que ela se entregou às autoridades, versão contestada pela Polícia Federal.


Em vídeo divulgado por seu advogado, Zambelli criticou Moraes e afirmou que vai buscar “justiça”. Ela manifestou o desejo de seguir no país europeu.


“Não vou voltar para o Brasil para cumprir pena. Se eu tiver que cumprir qualquer pena, vai ser aqui na Itália, país justo e democrático. Mas estou segura de que analisando todo o processo, eles (autoridades italianas) vão perceber que eu sou inocente. Não ordenei invasão ao CNJ”, disse.


Advogado da bolsonarista, Fabio Pagnozzi disse que ela tem “inequívoca disposição em colaborar com as autoridades” e que sempre esteve “à disposição para esclarecimentos”.


Logo após a prisão, o embaixador do Brasil na Itália, Renato Mosca, afirmou confiar que a Justiça italiana vai extraditar a deputada.


"Estou bastante convencido que a Justiça acolherá o pedido de extradição. Mas não há como saber quando isso vai acontecer. A decisão pode levar até seis meses. Mas tudo só volta a funcionar a partir de setembro", disse o diplomata, referindo-se ao período de férias no verão europeu.


A detenção ocorreu após uma série de decisões judiciais. Em 25 de maio, nove dias após a Primeira Turma condená-la por unanimidade, Zambelli deixou o Brasil pela fronteira com a Argentina e passou pelos Estados Unidos antes de chegar à Itália, país escolhido por ela ter a cidadania. Ela chegou a afirmar que seria “intocável” no país. A defesa apresentou recurso e, em 4 de junho, Moraes determinou a prisão preventiva por, segundo ele, a deputada ter deixado o Brasil com o “objetivo de se furtar à aplicação da lei penal”.


“É inequívoca a natureza da alegada viagem à Europa, com o objetivo de se furtar à aplicação da lei penal, em razão da proximidade do julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão condenatório proferido nestes autos e a iminente decretação da perda do mandato parlamentar”, escreveu Moraes ao converter a prisão preventiva em definitiva, em junho.


No dia 6 de junho, a Primeira Turma rejeitou as alegações da defesa e, no dia 7 de junho, Moraes, relator do processo, determinou o início do cumprimento da pena em razão do trânsito em julgado da ação, ou seja, do fim da possibilidade de novos recursos.


Zambelli e Delgatti, condenado a oito anos e três meses de prisão, foram acusados de forjar documentos falsos e incluí-los no sistema do CNJ, incluindo um mandado de prisão inexistente contra Moraes e uma falsa ordem de quebra de sigilo bancário do ministro.


Sem necessidade de aval


Ministros do STF, sob reserva, e especialistas explicam que a Câmara não precisará votar a prisão da deputada, uma vez que ela já está condenada pelo Supremo, com trânsito em julgado. A Constituição estabelece essa necessidade de referendo em caso de flagrante ou medidas cautelares, como prisão preventiva.


"Ela já está condenada, e não se trata de prisão preventiva nem em flagrante delito. Já se trata de condenação definitiva de mérito", diz Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF).


A avaliação é corroborada pelo advogado Berlinque Cantelmo, especialista em direito penal:


"Como a prisão preventiva de Carla Zambelli se deu em razão de mandado expedido pelo Supremo Tribunal Federal ao entender que sua ida para o exterior seria uma forma de obstruir aplicação da lei penal, tal medida não precisa ser referendada pela Câmara dos Deputados. Não se trata de prisão processual preliminar, que acontece em meio a uma investigação ou durante instrução processual, mas em decorrência de condenação, pois sobre Zambelli recai sentença de dez anos de prisão", diz.


Além do caso em que foi condenada, Zambelli ainda é ré em outra ação penal, pela suspeita de porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal às vésperas das eleições de 2022. O julgamento dessa ação começou em março, e já há maioria para condená-la a cinco anos e três meses de prisão e para cassar seu mandato. A conclusão da análise foi adiada, no entanto, por um pedido de vista do ministro Nunes Marques.


Veja a linha do tempo dos acontecimentos


  • 16 de maio - A Primeira Turma do STF decide, por unanimidade, condenar Zambelli e o hacker Walter Delgatti a dez anos de prisão por invasão aos sistemas do CNJ.
  • 3 de junho - Zambelli afirma que está nos Estados Unidos.
  • 4 de junho - O ministro Alexandre de Moraes, do STF, decreta a prisão preventiva da deputada.
  • 5 de junho - Zambelli usa seu passaporte italiano para desembarcar em Roma sem ser incomodada na alfândega. Após o desembarque, ela foi incluída na lista vermelha de procurados da Interpol.
  • 6 de junho - Por unanimidade, a Primeira Turma do STF nega recurso de Zambelli.
  • 11 de junho - Moraes envia ao Ministério da Justiça o pedido formal de extradição.
  • 12 de junho - O embaixador do Brasil em Roma, Renato Mosca, entrega ao Ministério das Relações Exteriores da Itália o pedido de extradição.
  • 13 de junho - Depois de procurar na região do Vêneto por Zambelli, a polícia italiana concentra as buscas na região metropolitana de Roma.
  • 2 de julho - Deputada pede à CCJ da Câmara uma acareação entre com o hacker Walter Delgatti Neto, por videoconferência, no processo que pode levar à cassação de seu mandato.
  • 15 de julho - Defesa da deputada devolve à Câmara o imóvel funcional ocupado pela família da parlamentar.
  • 26 de julho - Zambelli publica um vídeo dizendo que vive como "exilada política" na Itália e faz um agradecimento ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que pediu nesta semana para que autoridades do país a recebessem.